Eu nunca havia entendido bem porque é que uma pessoa escolhe algo que ele sabe que não lhe fará bem, na verdade esta é a forma de pensar de todo mundo, o que não compreendemos quando pensamos assim, é que na verdade nem todos tem o mesmo discernimento sobre o que é bom ou ruim, e o que para nós parece ruim, para os outros parece bom, não porque ele procura por algo ruim, é que a vida não lhe deu oportunidades o suficiente para distinguir a sutil diferença entre o bem e o mal.
Até aqui havia me deparado apenas com pessoas que não escolheram, pessoas que tiveram suas condições impostas, nenhum escolha realmente genuína havia sido feita até então, mas este quadro mudou no instante em que conheci André.
Havia acabado de chegar em casa, percebi que havia algo de errado, a porta estava arrombada e lá dentro era possível ouvir algum barulho, fiquei apreensivo, mas minha vida estava tão de cabeça para baixo que resolvi encarar a situação, entrei, fui até o meu quarto e lá estava, um jovem vasculhando todos os cantos do quarto, como se procurasse por algo, fiquei o observado, sem fazer barulho, e ele não notava a minha presença, até que decidi o questionar:
- Está Procurando por alguma coisa?
Ele se assustou, me olhou aflito, percebendo que sua caça acabara ali, sem êxito, fitou me os olhos, e num gesto lento sacou de sua cintura um revólver, e disse:
- É, acho que encontrei.
Eu havia decidido entrar, quando o mais sensato era chamar a polícia, agora estava com uma arma apontada para mim, não tinha muito o que escolher, sabe aquela história de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”? Eu tinha uma única arma contra ele, e cá entre nós, não era a melhor, minhas palavras, e dado toda a história que venho contando, eu não conseguia manipular muito bem, mas ainda sim, era a única escolha a ser feita:
- E o que você encontrou tem valor para você?
- Nenhum pouco.
- Então pra que levar?
- Eu não vou levar, eu quero trocar.
Falando isso foi aproximando lentamente, e levantou a arma até encostar na minha testa, eu fiquei aflito, ali estava ela, na minha frente, a morte, fria e perversa, como jamais havia imaginado tê-la que encarar, resolvi entrar no jogo dele:
- E o que você quer em troca?
- Quanto você acha que vale a sua vida?
- Nada que o dinheiro compre.
- Será? E se eu te levar, quanto você acha que sua família me pagaria para ter de volta?
- É bem provável que nada.
- Ninguém é assim tão insensível, você deve valer alguma coisa para alguém, não acha?
- Acho que só pra você.
Nem eu sabia do que estava falando, mas a verdade é que não tinha ninguém para sentir a minha falta, tirando o pessoal do meu trabalho, ninguém notaria minha falta, não sabia o que fazer agora, se lhe contasse que não tinha família, ele me mataria ali, na hora, se não contasse me mataria depois, quando descobrisse, eis então a hora de decidir, morrer agora ou ganhar algumas horas:
- Eu não tenho família.
- E sua esposa, seus filhos?
- Não sou casado, nem nunca fui.
- Seus irmãos?
- Não tenho nenhum, sou filho único.
- Seus pais?
O filme de toda uma vida passava diante dos meus olhos, na verdade eu acho que nunca senti falta dos meus pais como naquele momento, uma vida inteira tentado superar a tragédia, e nunca me dei conta do quanto eles fizeram falta na minha vida.
- Minha mãe morreu num acidade de carro quando eu tinha 10 anos?
- Seu pai?
As cenas voltavam a minha cabeça, como se quisessem me torturar, não pensava nestes momentos desde os meus 12 anos.
- Suicidou-se uma semana depois.
Começou a escorrer uma lágrima dos meus olhos.
- Está com medo?
- Não, é apenas saudade.
Ele foi se afastando, e abaixando a arma, não conseguia nem imaginar o que passava pela cabeça dele naquele momento, mas acho que de alguma forma eu consegui tocá-lo, ele virou as costas para mim, e perguntou:
- E como você sobreviveu até aqui?
- Após a morte dos meus pais eu fui para um orfanato, vivi lá até meus 17 anos, quando entrei para a faculdade e fui morar no campus, tive uma vida absolutamente normal.
- Como é que você conseguiu?
- Conseguiu o que?
- Não ser igual a mim?
- Eu fui abandonado muito cedo também por meus pais, e vivi num orfanato, mas não tive oportunidades.
- Você não teve ou não as enxergou?
Irado, voltou-se para mim novamente apontado a arma:
- Vai querer me dar lição de moral agora?
- Porque você não abaixa isso?
- Porque vou te matar?
- Não, você não vai.
- Como pode ter tanta certeza assim?
- Você já fez muitas escolhas erradas na vida, não quer fazer mais uma.
- E o que você entende sobre escolhas?
- O suficiente para estar deste lado do quarto.
- Como assim?
- Quem está portando uma arma aqui?
Ele deixou a arma sobre a cama, pegou um porta retrato no criado mudo, ficou observando por alguns minutos, em silêncio, eu, por mais que a razão dizia para fugir daquele quarto, não conseguia arredar os pés dali.
- Como você conseguiu fazer com que a ausência dos seus pais não lhe tornasse uma pessoa ruim, como eu?
- Você não é ruim?
- E quem está deste lado do quarto?
- Isso não te torna ruim.
- Ah! É? E o que me torna ruim então.
- São suas escolhas.
Ele deu uma gargalhada irônica.
- Você não é normal! – disse ele.
- Pense bem, você poderia ter me matado a poucos minutos e decidiu não fazer isso.
- Mas ainda posso fazer.
- Claro que pode, e só você pode escolher isso.
- Meus pais me abandoaram num orfanato porque não me queriam mais, já tinham filhos o suficiente, você acha que isso foi uma escolha minha?
- Isso não, mas todo o restante, ou seja, o que você fez com a escolha deles, foi tudo escolha sua.
- Você diz isso porque seus pais morreram, você não sabe o que é ser abandonado.
Mais um flash veio na minha mente, via a imagem do meu pai naquele dia, era como se pudesse ouvir ele
pronunciar aquelas palavras, que nunca saíram da minha mente.
- Meu pai se suicidou na minha frente, você acha que isso não é um abandono?
Continua...
Este é um texto de ficção.
Os outros capitulos da série Um Mundo de Escolhas podem ser encontrados nos links abaixo:
Um Mundo de Escolhas
Um Mundo de Escolhas – A Mulher
Um Mundo de Escolhas – O Homem
Um Mundo de Escolhas - A Criança
Um Mundo de Escolhas - A Criança e Seu Retorno Para Casa
Um Mundo de Escolhas – A Infiel
Um Mundo de Escolhas – O Advogado
Um Mundo de Escolhas - O Homem Que Amava Outro Homem Um Mundo de Escolhas – A Infiel
Um Mundo de Escolhas – O Advogado
Um Mundo de Escolhas – A Minha Escolha
Um Mundo de Escolhas – Essa é minha história
Um Mundo de Escolha – O primeiro Laço Rompido
Um Mundo de Escolha – A Despedida de Mamãe
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