Minha vontade era de dormir, e ao acordar descobrir que tudo havia sido um pesadelo, que eu não havia visitando mundo nenhum, e que aquele dia não tinha existido, eu queria mais era que ao acordar não tivesse mais criança nenhuma no sofá da sala, não que ele tivesse fugido, mas que ele se quer tivesse existido. Não conseguia dormir direito, estava preocupado, levar aquele menino para casa poderia não ter sido uma boa idéia, a policia deveria estar atrás dele e que argumentos eu usaria para explicar aquele menino dentro de casa?
Durante a noite tive um pesadelo, sonhei que ao acordar, não havia nada dentro de casa, haviam levado tudo, só havia ficado a minha cama dentro da casa, acordei suando frio, mas vi que pelo menos a mobília do meu quarto estava intacta, nem tive coragem de sair do quarto para ver como estava as coisas do lado de fora, ainda carregava a esperança de ser tudo um sonho, e que de repente iria acordar e voltar a viver minha vida normalmente.
Logo que acordei, fui rapidamente a sala, corri meus olhos no sofá, e não havia nada lá. Teria sido mesmo só um sonho? Percebi então que a porta da sala estava aberta, então cai na real, não havia sido sonho algum, olhei fixamente para a porta, não conseguia acreditar, ele havia fugido, eu fiquei sem ação, tudo bem que talvez fosse o melhor para mim, mas eu havia começado algo e não poderia terminar, de certa forma eu me sentia responsável por ele. Fui interrompido pelo toque forte do telefone.
Era do meu trabalho, preocupados porque eu não havia aparecido no dia anterior e já passavam das 10 da manhã e eu ainda não tinha dado nem noticias. Contei uma mentira dizendo que estava indisposto e que não iria trabalhar na parte da manhã, que se melhorasse iria na parte da tarde.
Me vesti correndo, ainda tinha esperança de encontrá-lo em algum lugar, assim que coloquei os pés para fora de casa, vi o garoto no jardim, ele parecia entretido vendo as flores, pegava as folhas do chão e as amontoava num canto, vi naquele momento uma serenidade que ainda não tinha visto no entorno dele, a aura dele parecia brilhar, como se tratasse de uma outra pessoa.
- Então você está ai?
- Muito bonito o seu jardim, sempre quis um assim, mas na minha casa não há espaço nem para gente!
- Achei que tivesse fugido.
- Eu até pensei nisso, mas já percebi que fugir não soluciona meus problemas, só estou aqui porque fugi uma vez, se fugisse de novo eu viveria em fulga.
- Você parece ter amadurecido muito da noite pro dia.
- A raiva já passou, agora só resta um pouco do medo.
- Ma porque medo?
- Sei que meu pai não vai gostar da minha volta.
- Ele deve estar aflito procurando por você.
- Com uma cinta nas mãos.
- Refleti bem durante a noite, não posso te obrigar a voltar.
- Eu também refleti, e acho que devo voltar, acho que entendi que meu pai não fez isso por mal, na verdade ele só descontou em mim todos os problemas que ele vem enfrentando, eu não fui justo com ele.
- Nada justifica a violência.
- Se tivesse idéia da situação em que vivemos, pensaria diferente.
- Seu pai estava alcoolizado quando lhe fez isso?
- Não, meu pai é um homem bom, só não vive um bom momento.
- O que aconteceu com aquele garotinho de ontem?
- Acho que ele cresceu.
- Vamos, precisamos achar algum lugar pra tomar café e depois decidir o que fazer.
- O café está na mesa.
- Como?
- Achei que deveria fazer alguma coisa para retribuir.
Quando cheguei a cozinha, lá estava o café da manhã, acho que desde que eu decidi morar sozinho não via uma mesa arrumada como aquela, sempre na correria, quase sempre meu café era só um copo de leite. Tomamos o café, e saímos, peguei o carro e ele foi me direcionando para onde deveria ir, quando adentramos o bairro ele disse:
- Você pode me deixar aqui, não precisa chegar até lá.
- Estou envolvido demais para não concluir minha tarefa.
- Meu pai pode não entender.
- É um risco que tenho que correr.
Quando chegamos na casa dele, eu desci junto com ele, percebi que ele estava enfrentando seus medos, era claro, nos olhos dele que ele tinha muito medo do que estava para acontecer, ficou por alguns minutos parado na frente de casa, era uma casa humilde, ainda por acabar, pela janela ainda sem vidros uma mulher o avistou, e com gritos de desespero saiu correndo e veio ao seu encontro, o abraço deles foi algo indescritível, pareciam separados anos, ela chorava muito enquanto o abraçava, perguntava-lhe onde estava, mas ele parecia mudo, como se todas as palavras haviam lhe fugido da boca, logo apareceram outras quatro crianças que ficaram apenas observando tudo.
Não tardou e na porta apareceu a figura de um homem, segurava nas mãos uma cita, e fazia malabarismos com ela, como se avisasse, “olha o que te espera”. Meu coração partiu naquele momento, o menino sabia desde o inicio que isso iria ocorrer, e eu agora sentia-me culpado, era como se tivesse entregado o cordeiro ao lobo, e agora nada poderia fazer, ou se pudesse não teria coragem.
Quando o menino viu o pai, soltou-se dos braços da mãe, veio ao meu encontro, abaixei-me para ficar de sua altura, ele me deu um forte abraço, e sussurrou no meu ouvido.
- Por favor, tente entender que há escolhas na vida que nós não fazemos, a própria vida escolhe por nós.
- Você quer vir comigo, podemos procurar outra solução.
- Obrigado por tudo que me fez, mas agora não sou mais problema seu.
Seu pai vinha agora caminhando ao nosso encontro.
- Você já sabe onde eu moro, não exite me procurar.
- Não, você já cumpriu sua missão comigo.
- Eu não vou conseguir mais ter uma noite de sono até que você venha me falar que está tudo bem.
- Nunca estará tudo bem.
O homem começava a esbravejar, falava auto, gritava palavras fortes, a mãe tentou evitar, mas foi a primeira a sentir a força do pai, meu tempo era curto, e meu pensamento era lento, não sabia o que fazer, no ímpeto de ajudar, segurei-o pelo braço e disse:
- O senhor não tem o direito de fazer isso com ele.
- E foi você quem o pariu para achar que sabe o que fazer com ele?
- Também não foi o senhor.
- Quem sustenta esse menino sou eu, quem sabe do que tenho direito sou eu.
- O fato de você alimentá-lo não o torna o um objeto seu.
- Você vai me soltar ou vai ficar esperando que eu te parta a cara?
- Se essa for a única forma de te impedir...
Tudo que lembro era de ver com os olhos muito dolorido, aquela criança ser surrada pelo pai, a rua estava repleta de gente agora, como que expectadores daquela trágica cena da vida, eu ali caído, sem força para mais nada. O pai foi levando o filho para dentro de casa a socos e pontas-pé, enquanto eu me levantava, a mãe do menino se aproximou e numa voz de medo disse:
- Moço, se você não pode ajudar meu filho, por favor, deixe-o em paz.
Juro que não entendi o que ela quis dizer, mas minha cabeça doía muito naquele momento para arriscar entrar na conversa dela, aos poucos a rua foi novamente se esvaziando, e só eu ficara ali, como se não acreditasse em nada do que havia acontecido.
Entrei no carro e me afastei dali.
Este é mais um capítulo do texto “Um mundo de escolhas”, você pode ler os outros capítulos nos links abaixo, a sequência do texto será disponibilizado nos próximos dias.
Um Mundo de Escolhas
Um Mundo de Escolhas – A Mulher
Um Mundo de Escolhas – O Homem
Um Mundo de Escolhas - A Criança
Durante a noite tive um pesadelo, sonhei que ao acordar, não havia nada dentro de casa, haviam levado tudo, só havia ficado a minha cama dentro da casa, acordei suando frio, mas vi que pelo menos a mobília do meu quarto estava intacta, nem tive coragem de sair do quarto para ver como estava as coisas do lado de fora, ainda carregava a esperança de ser tudo um sonho, e que de repente iria acordar e voltar a viver minha vida normalmente.
Logo que acordei, fui rapidamente a sala, corri meus olhos no sofá, e não havia nada lá. Teria sido mesmo só um sonho? Percebi então que a porta da sala estava aberta, então cai na real, não havia sido sonho algum, olhei fixamente para a porta, não conseguia acreditar, ele havia fugido, eu fiquei sem ação, tudo bem que talvez fosse o melhor para mim, mas eu havia começado algo e não poderia terminar, de certa forma eu me sentia responsável por ele. Fui interrompido pelo toque forte do telefone.
Era do meu trabalho, preocupados porque eu não havia aparecido no dia anterior e já passavam das 10 da manhã e eu ainda não tinha dado nem noticias. Contei uma mentira dizendo que estava indisposto e que não iria trabalhar na parte da manhã, que se melhorasse iria na parte da tarde.
Me vesti correndo, ainda tinha esperança de encontrá-lo em algum lugar, assim que coloquei os pés para fora de casa, vi o garoto no jardim, ele parecia entretido vendo as flores, pegava as folhas do chão e as amontoava num canto, vi naquele momento uma serenidade que ainda não tinha visto no entorno dele, a aura dele parecia brilhar, como se tratasse de uma outra pessoa.
- Então você está ai?
- Muito bonito o seu jardim, sempre quis um assim, mas na minha casa não há espaço nem para gente!
- Achei que tivesse fugido.
- Eu até pensei nisso, mas já percebi que fugir não soluciona meus problemas, só estou aqui porque fugi uma vez, se fugisse de novo eu viveria em fulga.
- Você parece ter amadurecido muito da noite pro dia.
- A raiva já passou, agora só resta um pouco do medo.
- Ma porque medo?
- Sei que meu pai não vai gostar da minha volta.
- Ele deve estar aflito procurando por você.
- Com uma cinta nas mãos.
- Refleti bem durante a noite, não posso te obrigar a voltar.
- Eu também refleti, e acho que devo voltar, acho que entendi que meu pai não fez isso por mal, na verdade ele só descontou em mim todos os problemas que ele vem enfrentando, eu não fui justo com ele.
- Nada justifica a violência.
- Se tivesse idéia da situação em que vivemos, pensaria diferente.
- Seu pai estava alcoolizado quando lhe fez isso?
- Não, meu pai é um homem bom, só não vive um bom momento.
- O que aconteceu com aquele garotinho de ontem?
- Acho que ele cresceu.
- Vamos, precisamos achar algum lugar pra tomar café e depois decidir o que fazer.
- O café está na mesa.
- Como?
- Achei que deveria fazer alguma coisa para retribuir.
Quando cheguei a cozinha, lá estava o café da manhã, acho que desde que eu decidi morar sozinho não via uma mesa arrumada como aquela, sempre na correria, quase sempre meu café era só um copo de leite. Tomamos o café, e saímos, peguei o carro e ele foi me direcionando para onde deveria ir, quando adentramos o bairro ele disse:
- Você pode me deixar aqui, não precisa chegar até lá.
- Estou envolvido demais para não concluir minha tarefa.
- Meu pai pode não entender.
- É um risco que tenho que correr.
Quando chegamos na casa dele, eu desci junto com ele, percebi que ele estava enfrentando seus medos, era claro, nos olhos dele que ele tinha muito medo do que estava para acontecer, ficou por alguns minutos parado na frente de casa, era uma casa humilde, ainda por acabar, pela janela ainda sem vidros uma mulher o avistou, e com gritos de desespero saiu correndo e veio ao seu encontro, o abraço deles foi algo indescritível, pareciam separados anos, ela chorava muito enquanto o abraçava, perguntava-lhe onde estava, mas ele parecia mudo, como se todas as palavras haviam lhe fugido da boca, logo apareceram outras quatro crianças que ficaram apenas observando tudo.
Não tardou e na porta apareceu a figura de um homem, segurava nas mãos uma cita, e fazia malabarismos com ela, como se avisasse, “olha o que te espera”. Meu coração partiu naquele momento, o menino sabia desde o inicio que isso iria ocorrer, e eu agora sentia-me culpado, era como se tivesse entregado o cordeiro ao lobo, e agora nada poderia fazer, ou se pudesse não teria coragem.
Quando o menino viu o pai, soltou-se dos braços da mãe, veio ao meu encontro, abaixei-me para ficar de sua altura, ele me deu um forte abraço, e sussurrou no meu ouvido.
- Por favor, tente entender que há escolhas na vida que nós não fazemos, a própria vida escolhe por nós.
- Você quer vir comigo, podemos procurar outra solução.
- Obrigado por tudo que me fez, mas agora não sou mais problema seu.
Seu pai vinha agora caminhando ao nosso encontro.
- Você já sabe onde eu moro, não exite me procurar.
- Não, você já cumpriu sua missão comigo.
- Eu não vou conseguir mais ter uma noite de sono até que você venha me falar que está tudo bem.
- Nunca estará tudo bem.
O homem começava a esbravejar, falava auto, gritava palavras fortes, a mãe tentou evitar, mas foi a primeira a sentir a força do pai, meu tempo era curto, e meu pensamento era lento, não sabia o que fazer, no ímpeto de ajudar, segurei-o pelo braço e disse:
- O senhor não tem o direito de fazer isso com ele.
- E foi você quem o pariu para achar que sabe o que fazer com ele?
- Também não foi o senhor.
- Quem sustenta esse menino sou eu, quem sabe do que tenho direito sou eu.
- O fato de você alimentá-lo não o torna o um objeto seu.
- Você vai me soltar ou vai ficar esperando que eu te parta a cara?
- Se essa for a única forma de te impedir...
Tudo que lembro era de ver com os olhos muito dolorido, aquela criança ser surrada pelo pai, a rua estava repleta de gente agora, como que expectadores daquela trágica cena da vida, eu ali caído, sem força para mais nada. O pai foi levando o filho para dentro de casa a socos e pontas-pé, enquanto eu me levantava, a mãe do menino se aproximou e numa voz de medo disse:
- Moço, se você não pode ajudar meu filho, por favor, deixe-o em paz.
Juro que não entendi o que ela quis dizer, mas minha cabeça doía muito naquele momento para arriscar entrar na conversa dela, aos poucos a rua foi novamente se esvaziando, e só eu ficara ali, como se não acreditasse em nada do que havia acontecido.
Entrei no carro e me afastei dali.
Este é mais um capítulo do texto “Um mundo de escolhas”, você pode ler os outros capítulos nos links abaixo, a sequência do texto será disponibilizado nos próximos dias.
Um Mundo de Escolhas
Um Mundo de Escolhas – A Mulher
Um Mundo de Escolhas – O Homem
Um Mundo de Escolhas - A Criança
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