Fiquei por muito tempo vagando pela cidade, meio que sem rumo, tudo parecia muito confuso para mim, eu queria acordar, mas não estava num sonho, já era finzinho de tarde, quando passava por uma pequena praça, o local estava deserto, exceto pela presença de uma criança, deveria ter uns 10 ou 11 anos de idade, estava encolhida num canto e parecia chorar, tive vontade de chegar até ela, mas as duas ultimas vezes que havia parado para conversar com alguém na tentativa de ajudar, haviam sido bem sucedida, minha idéia de que de repente eu tinha a solução para todos os problemas da humanidade havia caído por terra.
Mas também não consegui me afastar daquele a criança, fiquei ali por pelo menos uma hora olhando fixamente para a criança, em momento algum conseguia ver seu rosto, ela o cobria com os braços, achei então que deveria me aproximar, percebi que estava realmente chorando, não consegui ficar apenas observando, e fui em frente, sentei ao seu lado, e por alguns minutos fiquei em silencio ao seu lado, percebi que se tratava de um menino, resolvi então puxar conversa:
- Será que posso te ajudar?
- Não!
- E você acha que ficar ai chorando vai realmente solucionar o seu problema, seja ele qual for?
- Não!
-Então o que acha de me contar o que está acontecendo para que eu possa ver no que posso te ajudar?
- O senhor acha certo alguém fugir de casa?
- Hum... Isso me parece uma escolha, e dependendo do contexto...
- Eu fugi de casa e agora não tenho onde morar, o senhor tem como me ajudar?
- Posso te levar pra sua casa.
- O senhor não entendeu, eu fugi de casa, não quero voltar para casa.
- Pode me dizer os motivos que o levaram a isso?
Ele então me contou, era de uma família pobre, morava no subúrbio da cidade, na noite anterior havia sido seu aniversário, ele como toda criança, esperava por um presente em seu aniversário, segundo ele, nada demais, apenas um destes tênis que está todo mundo usando, mas para sua infelicidade, na semana anterior seu pai havia perdido o emprego, agora o único dinheiro que entrava para sua família era o de sua mãe, que trabalhava de diarista. Sua família era grande, ele tinha ainda mais 5 irmãos. Na noite do aniversário ele perguntou ao pai se não ganharia seu presente, no que seu pai num momento de fúria, violentamente o atacou com tapas e murros, dizendo que aquele era o único presente que ele merecia.
Ele então saiu de casa e prometeu a si mesmo nunca mais voltar, e desde então estava sem saber o que fazer.
Fiquei por alguns minutos analisando a situação, o que dizer para aquela criança? Ele estava errado em fugir de casa, mas o pai estava errado em espancá-lo, eu não tinha saída, tudo o que ocorrera até ali foi uma sucessão de fatos que talvez eles não tivessem escolhido, a criança não escolheu nascer pobre numa sociedade consumista, o pai não escolheu estar desempregado, embora os dois tivessem culpa, não dava pra culpar nenhum dos dois. Eu ficava a pensar como deveria estar a cabeça daquela criança naquele momento, e como deveria estar seus pais, com certeza aflitos a procura do filho. Resolvi questioná-lo:
- Mas você não compreende que seu pai não poderia lhe dar um presente naquele momento.
- Todos os meus amigos ganham presentes no aniversário, porque comigo é diferente?
- Um dia talvez seus pais consigam lhe dar presentes no aniversário, mas hoje eles não tem condições.
- E eu sou o culpado por isso?
- Não de forma alguma?
- Da forma como ele me bateu, parecia que eu era o culpado de tudo de ruim que acontecia na minha casa, por várias vezes me chamou de vagabundo e disse que se eu quisesse ter alguma coisa na vida teria que trabalhar.
E agora? Mais uma vez sem chão, como explicar para uma criança de 10 anos aquilo que nem eu compreendo, como pode um pai usar de violência contra o filho?
Decidi tomar uma atitude, eu tinha que fazer alguma coisa, disse ao garoto que lhe daria um presente pelo seu aniversário, ele insistiu dizendo que não precisava, e que seu aniversário já havia passado, mas eu tinha que de alguma forma aliviar a dor daquele garotinho, levei-o ao shopping, primeiro fomos comer alguma coisa, eu me sentia faminto naquele momento, imagine aquele garotinho, ele comeu bastante, parecia que há muito tempo não via um bom prato de comida na sua frente, logo depois entramos numa loja de sapatos, ele se sentia envergonhado com tudo aquilo, estava sujo e bem mal arrumado, depois de muita insistência, escolheu o modelo do tênis e experimentou, terminamos a compra e sentamos numa destas áreas de descanso do shopping, ele num instante de lucidez me diz:
- Eu não devia ter aceito este presente?
- Como não, é seu aniversário.
- Eu magoei meu pai por querer este presente.
- Mas ele com certeza só não lhe deu o presente por não ter condições.
- Só que eu acho que errei, não devia ter fugido de casa.
- Você simplesmente fez uma escolha errada, fazemos várias destas escolhas durante a vida, mas o bom é que você pode voltar atrás e fazer uma nova escolha, o que acha?
- O senhor está sugerindo que eu volte para casa?
- E porque não?
- Posso até imaginar o tamanho da surra que vou levar.
- Seu pai também já deve ter se arrependido da escolha que fez, ele deve estar muito preocupado com seu sumiço, não é seguro você ficar na rua.
- E porque o senhor não me leva para a sua casa?
- Porque esta não seria a melhor escolha, nem para mim e nem para você.
- Entendi, a melhor escolha no meu caso é voltar para casa e esperar que meu pai termine o trabalho que começou ontem?
- Como assim?
- Você não vê as manchas roxas no meu corpo?
Olha onde eu havia me metido, queria muito que surgisse um buraco no chão onde eu pudesse pular e nunca mais ver aquele menino, eu não poderia levá-lo para minha casa e acho que dificilmente o convenceria de o levar para a casa dele, mas fiz uma nova tentativa.
- E se eu te levar até em casa?
- O senhor acha que isso evitaria que me pai me batesse.
- Tenho certeza que seu pai não vai lhe bater, ele deve estar ansioso a sua espera, tenho certeza que esta pancada que ele te deu, doeu mais nele do que em você.
- Porque não é você que está todo dolorido.
Eu definitivamente não havia nascido para me tornar um super herói!
- Eu não tenho muitas escolhas, ou te levo para sua casa ou para o conselho tutelar.
- Este é o preço do presente?
- Não, uma coisa não tem nada haver com a outra, se você não tivesse aceito eu teria que fazer isso, eu escolhi entrar na sua vida, e não como escolher te abandonar.
- E o senhor acha que me deixando em casa ou no conselho tutelar não estaria me abandonando?
É, ele tinha razão, na verdade tudo o que eu procurava era um meio de livrar o mais rápido possível dele.
- Eu te levo hoje para minha casa e amanhã a gente toma uma decisão juntos, o que acha?
- A outra opção é ir para casa ainda hoje?
- Isso.
- Não quero lhe causar problemas, pode me deixar aqui mesmo e eu me viro.
- Você já me causou problemas, eu não vou te deixar aqui. Vamos?
Ele hesitou bastante, eu na verdade não tinha muita certeza do que estava fazendo, mas estava cansado demais para tomar uma decisão da qual não me arrependesse mais tarde. Chegamos em casa e eu apenas sugeri a ele que ligasse para seus pais, para que não ficassem preocupados. Ele disse que não tinha telefone, mas que ligaria para uma vizinha, e assim o fez.
Antes de ir dormir perguntei-lhe:
- Você não vai fugir não é?
- É sempre uma escolha.
- Se você quiser sair, a chave fica na porta.
- Você não vai me prender?
- Você disse que é uma escolha, eu não posso interferir na suas escolhas, tenho apenas que aceitá-las.
Este é mais um capítulo do texto “Um mundo de escolhas”, você pode ler os outros capítulos nos links abaixo, a sequência do texto será disponibilizado nos próximos dias.
Um Mundo de Escolhas
Um Mundo de Escolhas – A Mulher
Um Mundo de Escolhas – O Homem
Mas também não consegui me afastar daquele a criança, fiquei ali por pelo menos uma hora olhando fixamente para a criança, em momento algum conseguia ver seu rosto, ela o cobria com os braços, achei então que deveria me aproximar, percebi que estava realmente chorando, não consegui ficar apenas observando, e fui em frente, sentei ao seu lado, e por alguns minutos fiquei em silencio ao seu lado, percebi que se tratava de um menino, resolvi então puxar conversa:
- Será que posso te ajudar?
- Não!
- E você acha que ficar ai chorando vai realmente solucionar o seu problema, seja ele qual for?
- Não!
-Então o que acha de me contar o que está acontecendo para que eu possa ver no que posso te ajudar?
- O senhor acha certo alguém fugir de casa?
- Hum... Isso me parece uma escolha, e dependendo do contexto...
- Eu fugi de casa e agora não tenho onde morar, o senhor tem como me ajudar?
- Posso te levar pra sua casa.
- O senhor não entendeu, eu fugi de casa, não quero voltar para casa.
- Pode me dizer os motivos que o levaram a isso?
Ele então me contou, era de uma família pobre, morava no subúrbio da cidade, na noite anterior havia sido seu aniversário, ele como toda criança, esperava por um presente em seu aniversário, segundo ele, nada demais, apenas um destes tênis que está todo mundo usando, mas para sua infelicidade, na semana anterior seu pai havia perdido o emprego, agora o único dinheiro que entrava para sua família era o de sua mãe, que trabalhava de diarista. Sua família era grande, ele tinha ainda mais 5 irmãos. Na noite do aniversário ele perguntou ao pai se não ganharia seu presente, no que seu pai num momento de fúria, violentamente o atacou com tapas e murros, dizendo que aquele era o único presente que ele merecia.
Ele então saiu de casa e prometeu a si mesmo nunca mais voltar, e desde então estava sem saber o que fazer.
Fiquei por alguns minutos analisando a situação, o que dizer para aquela criança? Ele estava errado em fugir de casa, mas o pai estava errado em espancá-lo, eu não tinha saída, tudo o que ocorrera até ali foi uma sucessão de fatos que talvez eles não tivessem escolhido, a criança não escolheu nascer pobre numa sociedade consumista, o pai não escolheu estar desempregado, embora os dois tivessem culpa, não dava pra culpar nenhum dos dois. Eu ficava a pensar como deveria estar a cabeça daquela criança naquele momento, e como deveria estar seus pais, com certeza aflitos a procura do filho. Resolvi questioná-lo:
- Mas você não compreende que seu pai não poderia lhe dar um presente naquele momento.
- Todos os meus amigos ganham presentes no aniversário, porque comigo é diferente?
- Um dia talvez seus pais consigam lhe dar presentes no aniversário, mas hoje eles não tem condições.
- E eu sou o culpado por isso?
- Não de forma alguma?
- Da forma como ele me bateu, parecia que eu era o culpado de tudo de ruim que acontecia na minha casa, por várias vezes me chamou de vagabundo e disse que se eu quisesse ter alguma coisa na vida teria que trabalhar.
E agora? Mais uma vez sem chão, como explicar para uma criança de 10 anos aquilo que nem eu compreendo, como pode um pai usar de violência contra o filho?
Decidi tomar uma atitude, eu tinha que fazer alguma coisa, disse ao garoto que lhe daria um presente pelo seu aniversário, ele insistiu dizendo que não precisava, e que seu aniversário já havia passado, mas eu tinha que de alguma forma aliviar a dor daquele garotinho, levei-o ao shopping, primeiro fomos comer alguma coisa, eu me sentia faminto naquele momento, imagine aquele garotinho, ele comeu bastante, parecia que há muito tempo não via um bom prato de comida na sua frente, logo depois entramos numa loja de sapatos, ele se sentia envergonhado com tudo aquilo, estava sujo e bem mal arrumado, depois de muita insistência, escolheu o modelo do tênis e experimentou, terminamos a compra e sentamos numa destas áreas de descanso do shopping, ele num instante de lucidez me diz:
- Eu não devia ter aceito este presente?
- Como não, é seu aniversário.
- Eu magoei meu pai por querer este presente.
- Mas ele com certeza só não lhe deu o presente por não ter condições.
- Só que eu acho que errei, não devia ter fugido de casa.
- Você simplesmente fez uma escolha errada, fazemos várias destas escolhas durante a vida, mas o bom é que você pode voltar atrás e fazer uma nova escolha, o que acha?
- O senhor está sugerindo que eu volte para casa?
- E porque não?
- Posso até imaginar o tamanho da surra que vou levar.
- Seu pai também já deve ter se arrependido da escolha que fez, ele deve estar muito preocupado com seu sumiço, não é seguro você ficar na rua.
- E porque o senhor não me leva para a sua casa?
- Porque esta não seria a melhor escolha, nem para mim e nem para você.
- Entendi, a melhor escolha no meu caso é voltar para casa e esperar que meu pai termine o trabalho que começou ontem?
- Como assim?
- Você não vê as manchas roxas no meu corpo?
Olha onde eu havia me metido, queria muito que surgisse um buraco no chão onde eu pudesse pular e nunca mais ver aquele menino, eu não poderia levá-lo para minha casa e acho que dificilmente o convenceria de o levar para a casa dele, mas fiz uma nova tentativa.
- E se eu te levar até em casa?
- O senhor acha que isso evitaria que me pai me batesse.
- Tenho certeza que seu pai não vai lhe bater, ele deve estar ansioso a sua espera, tenho certeza que esta pancada que ele te deu, doeu mais nele do que em você.
- Porque não é você que está todo dolorido.
Eu definitivamente não havia nascido para me tornar um super herói!
- Eu não tenho muitas escolhas, ou te levo para sua casa ou para o conselho tutelar.
- Este é o preço do presente?
- Não, uma coisa não tem nada haver com a outra, se você não tivesse aceito eu teria que fazer isso, eu escolhi entrar na sua vida, e não como escolher te abandonar.
- E o senhor acha que me deixando em casa ou no conselho tutelar não estaria me abandonando?
É, ele tinha razão, na verdade tudo o que eu procurava era um meio de livrar o mais rápido possível dele.
- Eu te levo hoje para minha casa e amanhã a gente toma uma decisão juntos, o que acha?
- A outra opção é ir para casa ainda hoje?
- Isso.
- Não quero lhe causar problemas, pode me deixar aqui mesmo e eu me viro.
- Você já me causou problemas, eu não vou te deixar aqui. Vamos?
Ele hesitou bastante, eu na verdade não tinha muita certeza do que estava fazendo, mas estava cansado demais para tomar uma decisão da qual não me arrependesse mais tarde. Chegamos em casa e eu apenas sugeri a ele que ligasse para seus pais, para que não ficassem preocupados. Ele disse que não tinha telefone, mas que ligaria para uma vizinha, e assim o fez.
Antes de ir dormir perguntei-lhe:
- Você não vai fugir não é?
- É sempre uma escolha.
- Se você quiser sair, a chave fica na porta.
- Você não vai me prender?
- Você disse que é uma escolha, eu não posso interferir na suas escolhas, tenho apenas que aceitá-las.
Este é mais um capítulo do texto “Um mundo de escolhas”, você pode ler os outros capítulos nos links abaixo, a sequência do texto será disponibilizado nos próximos dias.
Um Mundo de Escolhas
Um Mundo de Escolhas – A Mulher
Um Mundo de Escolhas – O Homem
Nenhum comentário:
Postar um comentário